6 de outubro de 2010

Devemos obedecer AUTORIDADE humana na igreja?


Esta postagem é a resposta que o Mario Persona do Blog Respondi, deu a um leitor que questionou se era certo obedecer AUTORIDADE HUMANA NA "IGREJA."

As perguntas do leitor estão no texto abaixo em VERMELHO.

A autoridade que prevalece na assembléia onde dois ou três estão reunidos ao nome do Senhor não é humana no sentido de liderança de homens, mas é uma autoridade delegada, como aquela que tem um policial. Aliás toda autoridade humana é também delegada, porque por um lado é a sociedade quem delega poderes às autoridades, e por outro lado é Deus quem estabelece autoridades.

O Senhor prometeu que onde dois ou três estivessem reunidos para o Seu nome Ele estaria no meio, e que se dois ou três concordassem na terra a respeito de algo aquilo seria estabelecido no céu. Portanto é essa a autoridade que deve existir na igreja, aquela que é a autoridade do Senhor delegada aos homens.

P. Mas 1Tm 3.4-5, Paulo não diz que o candidato a presbítero (no singular) governe bem a sua casa, mostrando que deve governar bem a casa de Deus?

A casa é a esfera do governo, diferente de igreja no sentido do corpo que é a esfera do exercício dos dons. A casa de Deus de 1a. Timóteo é a "grande casa" de 2a. Timóteo, onde há todo tipo de vaso. Sim, cabe aos presbíteros (no plural) o governo com a autoridade que o Senhor lhes delega. No versículo que citou ele está falando da qualificação "do presbítero" e está no singular por se tratar da pessoa que irá exercer esse encargo.

Nas outras passagens, quando fala da relação da assembléia com os presbíteros a palavra aparece no plural. O governo é claramente no sentido de cuidado administrativo (pastoral) e doutrinal, não de liderança das reuniões. Aparece também como "anciãos", mostrando sim que é um papel parecido com o do pai de família, um papel administrativo.

P. Em Tt 1.5-6, Paulo não ordena que Tito estabeleça presbíteros de cidade em cidade?

É aqui que a coisa toda fica mais clara. A ordem foi dada diretamente pelo apóstolo a Tito, portanto foi uma ordem pessoal. Aquela foi uma missão dada a Tito, o que parece indicar que os apóstolos faziam essa indicação ou delegavam a tarefa a alguém. E ainda que fosse uma prática mais comum entre os santos, o ponto importante aqui é este: "de cidade em cidade". Os presbíteros tinham uma atuação "municipal", por assim dizer, porque as assembléias dos santos eram identificadas por cidades ou regiões geográficas, nunca por diferentes nomes.

Portanto não existe qualquer autoridade hoje para "designar presbíteros de denominação em denominação". Você seria capaz de citar os nomes dos presbíteros de sua cidade? Creio que é impossível. Seria capaz de designar presbíteros para sua cidade? Idem. A solução está no discurso de despedida de Paulo em Atos 20:17 ao final. Ele convoca os anciãos da igreja de Éfeso (não uma denominação, obviamente), e aponta de onde vinha a designação deles como anciãos ou presbíteros:

"Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que O ESPÍRITO SANTO VOS CONSTITUIU BISPOS, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue."

Sendo assim, embora hoje não seja mais possível designar bispos de cidade em cidade, o Espírito Santo não deixa de fazê-lo para que cuidem do povo de Deus. Podem não ser designados, mas podem ser reconhecidos como tais pelos santos que identificam seu trabalho como uma prova dessa "designação" do Espírito Santo.

Seria muita pretensão um grupo de cristãos de uma cidade eleger bispos como se eles fossem a única igreja verdadeira naquela cidade, desprezando todos os outros salvos que não se congregam com eles. Mas, se porventura existir entre eles alguns irmãos que espontaneamente fazem esse trabalho eles podem procurar detectar neles esse papel, muito embora não recebam um título ou tenham carteira assinada para tal. Lembre-se de que o testemunho da igreja está hoje em ruínas e é nesse estado de humilhação que devemos agir.

P. Em 1Pe 5.1-3, o apóstolo, ao referir-se ao presbítero como aquele que deve apascentar o rebanho de Deus, não o distingue das ovelhas, implicando aí numa proeminência do presbítero sobre o rebanho?

Não no sentido que você está acostumado a enxergar nas denominações, e que atinge seu ápice no clero católico romano.

"Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também". Jo 13

"Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os que têm autoridade sobre eles são chamados benfeitores. Mas NÃO SEREIS VÓS ASSIM; antes o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve. Pois qual é maior: quem está à mesa, ou quem serve? Porventura não é quem está à mesa? Eu, porém, entre vós sou como aquele que serve". Lc 22

"cada um considere os outros superiores a si mesmo". Fp 2:3

P. Hb 13.17 nos ordena: “Obedecei a vossos pastores, e sujeitai-vos a eles; porque velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta delas”. Não há aí um princípio bíblico claríssimo de autoridade?

Sim, dentro das premissas que indiquei:

1) a autoridade é delegada (do Senhor);

2) são mais de um esses pastores (aqui a palavra não fala no sentido do dom);

3) não há como indicá-los hoje, apenas reconhecê-los;

4) não são reis, mas servos do rebanho.

P. Em 1Co 12.4-6, Paulo afirma que há diversidade de dons, ministérios e operações, concluindo no verso 28: “E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores”. Se nem todos têm os mesmos dons, e são chamados para os mesmos ministérios e para operarem a mesma obra, como uma igreja pode ser dirigida por todos ao mesmo tempo, como se todos possuíssem o mesmo dom, ministério e operação? Confirmado também por Efésios 4.11.

O assunto aqui é outro, completamente diferente. Presbíteros (anciãos) e diáconos são ofícios locais, da assembléia dos santos em determinada cidade. São ofícios geograficamente limitados. Pastores, mestres e evangelistas são dons, não "designados" como eram os presbíteros e diáconos, mas colocados por Deus para exercer os dons que o Senhor lhes deu depois de ressuscitar e subir aos céus.

Em Efésios fala de dons, não de ofícios, e esses dons não são locais, mas universais. Um pastor é pastor em qualquer lugar onde esteja, o mesmo servindo para o mestre e para o evangelista. É bom lembrar que pastor neste caso não tem nada a ver com o dirigente que encontramos em denominações, mas com a pessoa cujo dom é velar pelas almas, alimentar as ovelhas, curar as feridas, apascentá-las. Temo que a carga de "cultura cristã" que recebemos é tão grande que fica até difícil compreender isso, como fica difícil para alguns compreender que "igreja" não é um edifício.

P. Se Pedro nos diz que devemos nos sujeitar a toda autoridade humana (1Pe 2.13), como é que a igreja não terá esse tipo de autoridade? (Sabemos que a autoridade de Deus não se manifesta apenas na Igreja, mas em todo o universo; portanto, tanto crentes como incrédulos estão sob a autoridade de Deus, ainda que esses últimos insistam em, inutilmente, se rebelarem contra Ele).

Não entendi essa idéia da autoridade da igreja se manifestar em todo o universo. Não me lembro de ter visto algo assim na Palavra de Deus, a não ser no futuro, quando os salvos reinarão com Cristo a partir dos céus, julgarão os anjos etc. Mas mesmo assim qualquer autoridade que venham a ter não será além daquela que é delegada pelo Senhor. Enquanto esse tempo não chega a autoridade que o Senhor deu a dois ou três reunidos ao Seu nome limita-se à ordem na casa de Deus.

P. Paulo ao referir-se a Tiago, Pedro e João, não os chamou de colunas (Gl 2.9)? Mas colunas de quê? Não são colunas da igreja? E isso não os torna líderes?

"Tiago, Cefas e João, que eram considerados como as colunas, a graça que me havia sido dada, deram-nos as destras, em comunhão comigo e com Barnabé, para que nós fôssemos aos gentios, e eles à circuncisão". Sim, eles eram reconhecidos como colunas porque eram apóstolos. Apóstolo é outra coisa, é também chamado de alicerce ou fundamento em Efésios, juntamente com os profetas do Novo Testamento:

"Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da família de Deus; Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; No qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor". Ef 2

Agora não há mais pedras do alicerce, de sustentação das paredes, apenas as próprias pedras das paredes, como nós. Em http://www.bibliaonline.com.br não encontrei alguma menção a colunas aplicada a anciãos, embora a gente possa também considerá-los como esteios ou aqueles que ajudam a manter a casa firme. Isso, porém, não invalida as 4 premissas que indiquei.




5 de outubro de 2010

Dons - Línguas e outros dons de "sinais"

Dons de "línguas e outros dons de "sinais" existem ainda hoje???
"Está escrito na Lei: Por gente doutras línguas, e por outros lábios, falarei a este povo; e ainda assim me não ouvirão, diz o Senhor. De sorte que as línguas são um sinal, não para os fiéis, mas para os infiéis; e a profecia não é sinal para os infiéis, mas para os fiéis" (1 Co 14.21,22).

"E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem... E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois que! não são galileus todos esses homens que estão falando?... os temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus" (At 2.4-11).

Quando nos referimos a este assunto, é de suma importância que entendamos duas coisas:

1. Qual era o propósito do dom de línguas?

2. Eram elas línguas normalmente faladas no mundo, ou eram meramente um balbuciar pronunciado em êxtase?

Os versículos citados no início respondem com muita clareza a estas perguntas:

Primeiro, foram dadas como um sinal para incrédulos e não para os crentes.

Segundo, eram línguas entendidas por pessoas originárias de países onde se falava aqueles idiomas.

Se tivermos estas duas coisas em mente, todas as passagens que tratam do assunto se tornarão claras de uma só vez. Quanto ao fato de elas existirem ou não nos dias de hoje, se existirem, devemos esperar que sejam as mesmas mencionadas pelas Escrituras. Deus deu sinais para confirmar a Palavra para os incrédulos, isto é, antes que o Novo Testamento tivesse sido escrito (Mc 16.20; Hb 2.3,4).

Mc 16:20 E eles, tendo partido, pregaram por todas as partes, cooperando com eles o Senhor, e confirmando a palavra com os sinais que se seguiram. Amém.


Hb 2:3,4 Como escaparemos nós, se não atentarmos para uma tão grande salvação, a qual, começando a ser anunciada pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram; Testificando também Deus com eles, por sinais, e milagres, e várias maravilhas e dons do Espírito Santo, distribuídos por sua vontade?

Porém hoje encontramos duas coisas que chamam nossa atenção no moderno movimento de línguas:

Primeiro, elas não são utilizadas para proclamar as grandezas de Deus aos incrédulos em suas próprias línguas.

Segundo, elas encontram-se, freqüentemente, associadas com algum erro sério acerca da Pessoa e obra de Cristo, e também estão conectadas a outras práticas que não são bíblicas.

Estas coisas devem nos colocar em estado de alerta antes que nos envolvamos com tais movimentos, pois nos é dito: "Examinai tudo. Retende o bem" (1 Ts 5.21).

A maneira de as examinarmos é pela Palavra de Deus. É algo muito sério buscarmos algum tipo de poder que não esteja em conformidade com a Palavra de Deus.

Consideremos as três passagens em Atos que falam das línguas.

Em Atos 2, no dia de Pentecostes, o Espírito Santo desceu de acordo com a promessa de Atos 1.4,5 (veja também João 7.39; 16.7).

Até àquela época Deus estava tratando com uma nação em particular (JUDEUS/ISRAEL), e o Senhor Jesus, quando esteve aqui na terra, declarou, "Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mt 15.24). Ele também falou aos Seus discípulos, "Não ireis pelo caminho das gentes (gentios), nem entrareis em cidade de samaritanos; mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mt 10.5,6).

Porém no dia de Pentecostes algo novo estava para começar. O Senhor Jesus havia dito, "Edificarei a minha Igreja" (Mt 16.18), e essa Igreja seria composta de judeus e gentios (1 Co 12.13). A parede de separação entre judeus e gentios estava para ser derrubada (Ef 2.14), e qual sinal poderia ser mais apropriado, para ser dado em conexão com esse algo novo, do que o dom de línguas? A mensagem das grandezas de Deus era assim proclamada em muitas línguas diferentes, e isso sem qualquer aprendizado prévio por parte dos que as falavam. Deus mostrava estar indo além das fronteiras de Israel, pois Ele estava pronto para derrubar a parede de separação que dividia os judeus dos gentios.

Encontramos a próxima referência ao dom de línguas em Atos 10.46. Vemos ali um grupo de gentios na casa de Cornélio, pois mais uma vez Deus está apresentando aquilo que é novo pela introdução dos gentios na formação da igreja de Deus sobre a terra. Eles receberam o Evangelho proclamado por Pedro e, quando o Espírito Santo veio sobre eles, falaram em línguas e foram acrescentados à igreja. Em Atos 11.4-18, ao recordar o que acontecera, Pedro disse, "caiu sobre eles o Espírito Santo, como também sobre nós ao princípio". Isso deixa bem claro que eles também falaram línguas inteligíveis (idiomas falados neste mundo), pois foi assim que o dom de línguas havia sido dado "ao princípio". Mais uma vez vemos que isso estava em harmonia com os desígnios de Deus, em demonstrar que Ele estava alcançando, muito além de Israel, os próprios gentios. Aqueles que se encontravam na assembléia em Jerusalém foram levados a admitir isso, pois disseram, "Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida" (At 11.18).

A terceira vez em que lemos acerca do dom de línguas é em Atos 19.6, quando Paulo vai a Éfeso. Ali vemos um grupo de discípulos que nunca havia ouvido o evangelho da graça de Deus. Eles haviam aceitado a mensagem de João Batista que falava da vinda do Messias e, em arrependimento, tinham sido por ele batizados. Agora eles ouvem acerca do Senhor Jesus que morreu e ressuscitou, e que o Espírito Santo foi enviado. João havia dito que o Senhor Jesus batizaria com o Espírito Santo (Mt 3.11), e isso já havia acontecido no dia de Pentecostes, como o Senhor Jesus havia predito que aconteceria em Atos 1.5. Agora já não era mais necessário esperar pelo batismo do Espírito Santo, pois Ele já havia vindo, e assim, quando Paulo impôs suas mãos sobre eles, receberam o Espírito Santo. Eles também deram testemunho, ao falar em línguas, que o cristianismo não era igual à mensagem de João à nação de Israel, pois a mensagem do evangelho no cristianismo alcançava até os gentios.

A epístola de Paulo aos Efésios não menciona o dom de línguas, mas revela claramente como a parede de separação entre judeus e gentios foi derrubada, formando um corpo em Cristo (Ef 2.14-16; 3.6).

A única epístola que fala do dom de línguas é 1 Coríntios. Ali nos é dito que aos Coríntios não faltava nenhum dom, e ainda assim eram cristãos carnais (1 Co 1.7; 3.1).

Uma vez que "os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento" (Rm 11.29), Deus não retira um dom que tenha sido dado a uma pessoa, mesmo que ela não o esteja utilizando em conformidade com a Sua vontade revelada em Sua Palavra. É possível usar um dom dado por Deus de maneira errada, ou fazê-lo apenas para exibição e exaltação própria. Além disso é importante notar que nem todos os crentes em Corinto tinham o dom de línguas (1 Co 12.30), mas alguns, que haviam recebido esse dom, não o estavam usando em amor e nem para proveito, razão pela qual Paulo os exorta a não agirem como meninos que gostam de se exibir (1 Co 13.11; 14.20). Quando ele fala das línguas dos homens e dos anjos, o faz no mesmo sentido em que fala de anjos pregando um outro evangelho (Gl 1.8), pois podemos estar certos de que os anjos são capazes de falar qualquer língua deste mundo, e que os anjos eleitos são espíritos ministradores cuidando de todos os filhos de Deus, independente de sua nacionalidade (Hb 1.13,14).

Não existe aqui nenhum pensamento acerca da, assim chamada, "língua celestial", pois:  

Como poderia uma língua desconhecida a qualquer pessoa ou nação deste mundo ser um testemunho para incrédulos?

Pois as Escrituras nos demonstram, conforme já mostramos, que as línguas foram dadas como um sinal para os incrédulos.

As línguas não serão necessárias quando "vier o que é perfeito" (1 Co 13.8-10), portanto cessarão na glória vindoura. Note aqui que não diz "o dom de línguas", mas simplesmente que as "línguas" cessariam. Nos céus a profecia não será necessária, o conhecimento não será mais em parte e, já que todos serão de um mesmo parecer e falarão a mesma linguagem, então as línguas (ou idiomas) cessarão.

As diferentes línguas começaram com a torre de Babel quando o homem, em seu orgulho, procurou erguer uma torre de tijolos cujo topo alcançaria os céus.

Agora Deus está construindo uma casa espiritual, da qual todos os crentes fazem parte como pedras vivas, não importa que língua falem ou a que nacionalidade pertençam. Mais uma vez vemos a sabedoria de Deus em apresentar esse algo novo por meio do dom de línguas. O uso desse dom sem amor e para pura exibição não estava nos propósitos de Deus.

Mais adiante, no capítulo quatorze de 1 Coríntios, o apóstolo continua tratando deste assunto e dá as regras para o seu uso em assembléia. Nas ocasiões anteriormente registradas em Atos, elas não eram usadas na assembléia, quando estavam reunidos, mas apenas como um sinal para cumprir o propósito para o qual Deus lhes havia dado. Já que era um dom dado por Deus o seu uso não era proibido, a não ser quando não houvesse um intérprete. O dom seria, quando usado adequadamente, uma lembrança à assembléia da graça de Deus em operar entre as nações em bênção, reunindo-os num só corpo em Cristo. Mesmo em nossos dias podemos ser propensos a esquecer, em uma assembléia onde todos falem a mesma língua, que Deus está salvando almas de toda tribo, língua, povo e nação, e dando a elas o Espírito Santo como membros do único corpo. Com freqüência, quando alguém que fala outra língua nos visita (VEM DE OUTRO PAÍS), e temos que interpretá-la (TRADUZÍ-LA) para os demais, somos lembrados de como, no dia de Pentecostes, cada um ouviu das grandezas de Deus em sua própria língua natal (At 2.8).

É triste termos que admitir que os coríntios estavam usando o dom de línguas para exibição e, por esta razão, Paulo precisou dizer-lhes que não falassem em outra língua, desconhecida dos presentes, a menos que houvesse um intérprete. Eles poderiam, porém, falar "consigo mesmo e com Deus" em outra língua, pois Ele entende todas as línguas. Se eu estivesse em uma reunião (CULTO) onde ninguém compreendesse o inglês, eu falaria comigo mesmo e com Deus em inglês. Mas os versículos 21 e 22 de 1 Coríntios 14 deixam claro que não se tratava de algum balbuciar pronunciado em êxtase.

Porém as línguas que Paulo mencionava eram diferentes idiomas que poderiam servir de sinal, para os incrédulos, do poder de Deus e de como a mensagem da salvação chegava agora a todas as nações. Se nenhum dos presentes na assembléia pudesse entender a língua, e se não houvesse nenhum intérprete (TRADUTOR), ela não serviria para o propósito dado por Deus, conforme é demonstrado em Atos 2. Além do mais teria parecido loucura para os estranhos que chegassem e não pudessem compreender o que estava sendo falado. Seria confusão; Deus não seria glorificado e ninguém seria edificado (1 Co 14.21-25).

Mas a pergunta que normalmente se faz é se ainda temos o dom de línguas em nossos dias. Perguntar isso já é dar a resposta, pois não existe uma pessoa ou grupo que possa admitir ser capaz de fazer o que aconteceu em Atos 2, reunindo um grupo de pessoas de "todas as nações que estão debaixo do céu" (At 2.5), e então falar-lhes, em suas próprias línguas, das grandezas de Deus.

Isto nos leva a uma consideração importante, não apenas com respeito ao dom de línguas, mas também acerca de todos os dons de sinais.

As Escrituras não prometem que os dons de línguas, curas e milagres, que incluíam até o ressuscitar mortos, conforme eram exercidos na igreja primitiva por pessoas especialmente dotadas, iriam continuar. Sabemos que eles existiram nos primeiros dias da igreja, como está claramente registrado em Atos e Coríntios, como sinais para confirmarem a Palavra que ainda não tinha sido escrita.

Há, no entanto, a promessa da continuidade dos dons de ministério para edificação da igreja (Ef 4.7-16).

Temos agora, na Palavra escrita, o fundamento do cristianismo lançado pelos apóstolos e profetas (Rm 16.26; 1 Co 3.10; Ef 2.20-22), e a continuação dos dons de ministério, "para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo. Para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina" (Ef 4.12-14).

Como já foi mencionado, há aqueles que professam possuir o dom de línguas e outros "dons de sinais" em nossos dias. À medida que colocamos à prova suas afirmativas, pela Palavra de Deus e pelos próprios fatos, constatamos que não são iguais àquilo que nos é apresentado no livro de Atos. Não usam o dom de línguas como um sinal para os incrédulos e nem podem fazer que um grupo de doentes se aproxime e sejam todos curados (At 5.12-16). Mesmo com respeito às curas registradas em Atos, não existe a certeza de que aqueles que foram curados fossem crentes, mas tudo indica justamente o contrário. Era um sinal para confirmar a Palavra para os incrédulos, mesmo porque os verdadeiros crentes não necessitam que a Palavra lhes seja confirmada, pois a receberam como sendo a Palavra de Deus (1 Ts 2.13). É também importante notar que a cura tem relação com o tempo ou século futuro (Hb 6.5; Is 33.24; Sl 103.3). Era um sinal dirigido especialmente àqueles que haviam rejeitado o seu Messias, e a outros também, mostrando que é Ele Quem irá no futuro trazer as bênçãos do reino sobre a terra; que Ele Se encontra agora ressuscitado, e que essas obras de poder eram feitas em nome dEle (At 4.9,10).

É muito importante distinguirmos as duas esferas distintas de bênção das quais o Senhor será o centro no dia vindouro (Ef 1.10). Haverá a esfera celestial à qual pertence à igreja (2 Co 5.1; Cl 1.5; 1 Pd 1.3,4) e haverá a esfera terrenal da qual a Jerusalém na terra será o centro (Is 4.3-5; 65.18). Já que nós, como parte que somos da igreja, somos um povo celestial, aguardamos o momento da Sua vinda quando seremos transformados e teremos corpos de glória à imagem do corpo glorioso de Cristo (Fp 3.20,21). Enquanto isso, neste tabernáculo "gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do céu" (2 Co 5.2).

Em relação a isto, é bem interessante notar com cuidado as referências feitas às doenças entre os crentes nas epístolas, entre aqueles que pertencem ao povo celestial. Lemos em Romanos 8.23 que "nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo". Não há aqui nenhuma referência a cura, mas sim a esperar pela redenção de nosso corpo. O Espírito, enquanto isso, "ajuda as nossas fraquezas" ("enfermidades", cf. versão inglesa), mas não diz que Ele as remove.

Mais adiante, em 2 Coríntios 12.7-10, vemos que Paulo tinha um espinho na carne, chamado de "enfermidade física" em Gálatas 4.13 (versão Almeida Revista e Atualizada), e ainda assim o Senhor não o curou, mas o ensinou a depender dEle quanto àquela dificuldade. Timóteo tinha "freqüentes enfermidades", mas Paulo não lhe indicou alguém que o curasse, mas aconselhou que utilizasse um remédio para sua enfermidade (1 Tm 5.23). Mais uma vez vemos, em 2 Timóteo 4.20, que embora Paulo houvesse curado a muitos em seu trabalho no evangelho, (como está registrado em Atos 19.11,12; 28.8,9), deixou Trófimo doente em Mileto.

Em Tiago 5.14-18 encontramos o caso de um que, estando doente, chama pelos anciãos para orarem por ele. Não se trata da fé do doente que lhe restaura a saúde -- sua fé nem mesmo é mencionada -- mas trata-se de um exercício de fé da parte daqueles que oraram por ele. Também não se trata do dom de curar sendo exercitado, mas sim de uma oração respondida, sugerindo que aquele que estava doente reconhecia que devia ser honesto o suficiente para confessar um pecado conhecido. Aqueles que oram discernem a vontade de Deus em relação à enfermidade, e orando de acordo com a vontade de Deus, Ele responde à oração. Não há menção aqui de uma cura súbita e miraculosa, mas do Senhor levantando o enfermo novamente. Além do mais, naqueles dias havia anciãos (ou presbíteros) designados pelos apóstolos, enquanto que hoje não há apóstolos ou quem tenha recebido autoridade delegada diretamente por eles, como era o caso de Tito (Tt 1.5), para estabelecer anciãos. A assembléia local nunca nomeava os seus próprios anciãos, mesmo nos tempos bíblicos, embora não exista dúvida de que mesmo nestes nossos dias de ruína e fracasso Deus permaneça fiel, e assim como Paulo previu que viriam dias em que lobos vorazes entrariam (e estão entrando) no rebanho, ele se referiu também àqueles anciãos de Éfeso, não como tendo sido nomeados por Paulo, mas pelo Espírito Santo (At 20.28.30). Não existem anciãos (bispos ou presbíteros) oficiais hoje, mas sem dúvida há, ainda hoje, aqueles levantados por Deus para tomar conta do Seu povo, em um espírito de humildade e amor pelo rebanho de Deus. Não há dúvida de que é por esta razão que Tiago menciona o caso de Elias, um profeta nos dias da ruína e divisão de Israel, e demonstra como ele era conhecedor da vontade de Deus em suas orações. Ele primeiro viu, ao suspender as chuvas, a necessidade de disciplina do povo de Deus, e então Deus em graça respondeu à oração de Elias ao enviar chuva. Com freqüência temos visto, em nossos dias, o Senhor respondendo às orações, em situações de dificuldade ou ao restaurar a saúde aos enfermos, mas precisamos compreender as épocas e termos discernimento da Sua vontade a este respeito (Ef 5.17).

Por meio de 1 Coríntios 11.30 podemos ver como Deus utiliza a enfermidade em Seus desígnios governamentais, pois lemos que em virtude de pecado não julgado Deus permitiu que muitos em Corinto estivessem "fracos e doentes", por não terem julgado a si mesmos por seu proceder negligente. João também fala destas coisas em sua epístola (1 João 5.14-17), mostrando como o Senhor poderia remover, por meio da morte, alguém que não tomasse cuidado com seu proceder. Embora o cristão esteja eternamente seguro no que diz respeito à salvação de sua alma, ele se encontra sob os desígnios governamentais de Deus, e Ele às vezes utiliza a doença para tratar com os que são Seus. Se nos recusamos a escutar, poderemos perder o privilégio de vivermos aqui como um testemunho para Cristo, embora o sangue de Cristo já nos tenha tornado prontos para o céu. Evidentemente isto não significa que toda enfermidade seja uma punição, pois ela pode vir tanto em razão de nosso corpo fazer parte de uma criação que geme, e termos por isso herdado alguma fraqueza, como pode também fazer parte do método de ensino de Deus, como quando se poda uma videira para que produza mais fruto. Era este o caso de Paulo em 2 Coríntios 12.7-10.

É de suma importância para nós, em nossa expectativa, não irmos além da Palavra de Deus (1 Co 4.6; Sl 62.5; Nm 23.19). Aqueles que buscam por dons de sinais nos dias de hoje, estão permitindo que suas expectativas ultrapassem a Palavra de Deus, e isso os deixa vulneráveis a "todo vento de doutrina" e ao poder do inimigo (Sl 17.4,5; 2 Tm 2.24-26). Falsos profetas farão sinais e maravilhas no futuro (Mt 24.24), mas serão sinais feitos pelo poder de Satanás, e a única maneira de termos certeza se algo é de Deus é que esteja de acordo com Sua Palavra. Todas as passagens das Escrituras que tratam dos últimos dias da história da igreja, falam do abandono de Deus e de fraqueza, não de sinais e maravilhas. Veja a descrição que Paulo faz dos últimos dias da igreja em 2 Timóteo 3, ou a descrição que João faz dos últimos dias da igreja como é vista em Laodicéia (Ap 3.14-20), e também os avisos de Pedro em 2 Pedro 3.3,4. A profecia de Joel em Atos 2, que alguns usam para dar fundamento aos sinais e maravilhas nestes últimos dias da história da igreja, se refere a um tempo futuro para Israel (trata-se dos últimos dias para Israel, cf. Joel 2.21-32). O dia do Pentecostes encontrava-se naquele caráter pois a Israel, como nação, foi dada naquela ocasião a oportunidade de se arrepender de sua culpa por ter crucificado o Messias, e assim receber a bênção prometida, que será deles em um dia futuro quando efetivamente irão se arrepender (At 3.17-26).

O Espírito Santo foi dado no dia do Pentecostes, e agora, como uma Pessoa divina, Ele habita nos corpos dos crentes (1 Co 6.19) e Se encontra também na casa professa da cristandade (Ef 2.22). O Senhor Jesus falou disso (Jo 14.16,17), dizendo aos discípulos, antes do dia de Pentecostes, que esperassem por Sua vinda em cujo tempo eles seriam "do alto revestidos de poder" (Lc 24.49). Em Corinto, não foi dito aos crentes que esperassem que viesse "poder" sobre eles, mas, ao invés disso, foi dito que deveriam usar os dons do Espírito, que Deus lhes havia dado, inteligentemente, dirigidos por Sua Palavra e em uma santa liberdade, conforme fossem guiados pelo Espírito (1 Co 12.4-11). Como alguém já disse, "O Espírito e a Palavra não podem ser separados sem que se caia no fanatismo, de um lado, ou no racionalismo, do outro". É perigoso aguardar por um derramamento adicional do Espírito, além daquele que temos, sendo habitados pelo Espírito de Deus. Há dois poderes acima do homem, e estes são o poder de Deus e o poder de Satanás. O movimento carismático leva as pessoas a buscarem por demonstrações de poder que não estão em conformidade com a Palavra de Deus e, portanto, não são pelo Espírito de Deus. Edward Irving, que iniciou esse movimento na Inglaterra no século passado, ensinou algumas coisas chocantes acerca da Pessoa de Cristo, as quais não convém repetir aqui (conforme citado por J. N. Darby em "Collect Writtings", Vol. 15, Pg. 1-51), no entanto aconteceram grandes demonstrações de poder e "línguas" naquela época, pegando em suas redes até mesmo cristãos verdadeiros (cf. "Spirit Manifestations", Sir Robert Anderson, pg. 19,20). Mesmo nos dias de hoje a demonstração desse poder e "línguas" está com freqüência associada a má doutrina acerca da Pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo, e a outras práticas não bíblicas, pois Satanás pode tomar a forma tanto de um "anjo de luz" (2 Co 11.13-15) como de um "leão que brama" (1 Pd 5.8,9). Seu grande alvo sempre foi atacar a gloriosa Pessoa e a obra consumada de nosso bendito Senhor e Salvador.

Por esta razão vemos a importância de primeiro testarmos esse movimento carismático moderno pela Palavra de Deus. Não busquemos por "poder", pois se alguém, seja homem ou mulher, é um verdadeiro crente no Senhor Jesus Cristo, tal pessoa é habitada pelo Espírito de Deus, que é o poder para nosso andar como filhos de Deus. Em Lucas 11.13, antes do dia de Pentecostes, o Senhor Jesus disse aos Seus discípulos que pedissem pelo Espírito Santo, pois Ele ainda não havia sido dado (Jo 7.39), mas agora Ele habita nos corpos de todos que creram no evangelho (Ef 1.13). Não há qualquer registro de alguém a quem tenha sido dito que esperasse pelo batismo do Espírito Santo após o dia de Pentecostes. Existe a exortação que diz "enchei-vos do Espírito" (Ef 5.18), que significa que devemos permitir que Ele nos guie em tudo o que fazemos. Ela é dada em contraste com o embriagar-se com vinho, uma vez que alguém assim estaria fora de controle, enquanto que aquele que está cheio com o Espírito encontra-se sob controle, pois dois aspectos do fruto do Espírito são temperança e domínio próprio (Gl 5.22,23 Almeida Versão Atualizada). Onde o Espírito de Deus estiver guiando, aí há liberdade e serviço inteligente.

À medida que andarmos perto do Senhor em dependência e obediência, haverá, pelo poder do Espírito de Deus, o desfrutar de Cristo e de nossa porção nEle, pois o Espírito Santo não fala de Si mesmo, mas nos guia a toda verdade e glorifica a Cristo (Jo 16.13,14; Ef 3.16,21; Cl 1.8-14). Ele também nos capacitará a darmos um verdadeiro testemunho por Cristo perante outros (Fp 2.15,16). Se virmos demonstrações de poder ao nosso redor, seremos mais prontos a verificar se estão de acordo com a Palavra de Deus do que a nos deixarmos levar pelo próprio sinal ou maravilha (Dt 13.1-4).

Ao terminar, gostaria de colocar estas palavras diante do Senhor para que possam ser úteis para auxiliar o povo de Deus a discernir o caminho de fé nestes últimos dias. Regozijamos-nos ao ver Deus operando em graça ao salvar almas, usando Sua preciosa Palavra por quem quer que a pregue (Fp 1.18). Mas Deus quer também que todos os que são Seus "venham ao conhecimento da verdade" (1 Tm 2.4). O caminho de obediência à Sua Palavra é o único caminho seguro e verdadeiramente feliz, e neste caminho, como alguém já disse, "não existem desapontamentos e nem esperanças perdidas". Os caminhos da sabedoria "são caminhos de delícias, e todas as suas veredas, paz" (Pv 3.17). As Escrituras não nos dizem que devemos buscar por um segundo Pentecostes; ao invés disso nos exortam a saber como devemos agir e como devemos nos reunir ao Nome do Senhor Jesus Cristo em obediência, numa época em que a cristandade se tornou uma grande casa, com "vasos para honra, outros, porém, para desonra" (2 Tm 2.16-26). Certa ocasião o Senhor teve que dizer a Pedro, "Para trás de mim, Satanás" (Mt 16.23), mostrando que até mesmo um crente útil e verdadeiro pode ser seduzido e usado pelo inimigo.

Que possamos compreender o que é desfrutar de nossa porção em Cristo agora, pelo Espírito, possuindo, como alguém já disse, corações amplos (para amarmos a todos os verdadeiros filhos de Deus) e pés estreitos (para caminharmos no estreito caminho da obediência à Palavra de Deus), enquanto ansiamos pelo bendito dia em que estaremos com Cristo naquele glorioso Lar nas alturas. Então a igreja será apresentada "igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante" (Ef 5.27). Tudo o que será verdadeiramente levado em conta então será ter a Sua aprovação quanto ao caminho que trilhamos em direção ao Lar, a casa do Pai. - [Gordon H. Hayhoe]